quarta-feira, 31 de agosto de 2011

29,08.2011 - África Nossa


Eram praticamente duas as empresas que faziam a carreira Lisboa - África: a Companhia Nacional de Navegação, fundada em 1918 a partir da inicial Empresa Nacional de Navegação, e a Companhia Colonial de Navegação, criada no ano de 1922, ambas em protocolo com o Governo Português. Especializadas em transportes de mercadorias e passageiros, eram várias e portentosas as embarcações sob seu nome. A Nacional, de chaminés pretas, navegava com o Moçambique, o Angola, o Nyassa, e, por sua vez, a Colonial, de chaminés amarelas atravessadas a verde e branco, com o Império, o Pátria e o mal fadado Santa Maria, entre muitos outros. Em 1959 e 1960, as companhias apresentavam as pérolas da navegação nacional. Primeiro, pela Colonial, o Infante Dom Henrique, a maior embarcação da história da marinha mercante portuguesa, com lugar para 1056 passageiros, e mais de 300 tripulantes. Em concorrência directa, a Nacional lançava o Príncipe Perfeito, fino, moderno, inovador, e, embora não tão grande como o seu gémeo colonial, com dimensões suficientes para arrancar suspiros aos que ainda o lembram.

Partia-se de Lisboa. No Cais da Rocha de Conde de Óbidos, ou em Sta Apolónia e Alcântara, a multidão espalhava-se ruidosamente para ver a embarcação. A entrar viam-se velhos e novos, pobres e ricos, todos rumo às oportunidades que as colónias portuguesas ofereciam. Uns lançavam-se ao desafio, outros iam com recomendação de familiares ou amigos, viam-se ainda os soldados, desconhecendo o seu destino, os recém-casados e os recém-formados, engenheiros e médicos em serviço público, altas figuras do Estado ou das Forças Armadas, e os que regressavam da licença graciosa, seis merecidos meses de férias acumuladas. Pela frente, tinham cerca de um mês de viagem, com paragem na Madeira ou Canárias, em Angola, África-do-Sul e, por fim, Moçambique, onde a frota subia até Porto Amélia. Para comprar bilhete, o passageiro pagava ordinariamente 3 contos e 500, mas funcionários públicos tinham viagem oferecida, assim como suas mulheres, mães e irmãs solteiras. Durante os anos em que estariam a largos milhares de quilómetros, haviam de nascer sobrinhos, surgir novos cunhados, ou, sempre pesando na mente de cada um, desaparecer uma alma próxima. Debruçavam-se portanto da varanda, fervorosamente, os que partiam, ansiando descobrir a cara de um irmão, de uma mãe ou de um pai por entre a multidão, eternizada naquele momento de despedida. Pelas caras caíam largos rios de lágrimas, da enorme saudade que já surgia, da dor de deixar para trás a pátria, da aventura que esperava. A própria chaminé, preparando-se para partir, parecia acompanhar o choro num profundo e sonoro lamento. Numa onda de emocionantes aplausos, lá deixava o navio a costa portuguesa, levantava ferros, e deslizava pelo Tejo. Para a frente, África.

A bordo, os passageiros estavam divididos em três classes, e cada uma com espaço próprio. A primeira, o luxo habitual, a segunda, onde se viajava muito bem, e a terceira, que embora estivesse vedada a muito, como a piscina, também não se podia queixar. Já com a chamada terceira S, as coisas não eram assim tão fáceis. Alojados num deque de acesso à carga, uns em camaratas improvisadas, mas outros num mar de colchões no centro, mesmo por baixo da abertura para descarga, coitados quando, ao chegar a um porto, se abriam as portas, e, fosse a que horas fosse, lá tinham de acordar, levantar trapos, e esperar que voltassem a partir. As refeições eram tomadas por classe. O almoço, mais leve e descontraído, e o jantar já mais formal, com as senhoras arranjadas de saia e casaco, orquestra e animação. Durante o dia ou no serão era tempo para jogar-se uma sueca, canasta, o Bingo ou o Totomilhas, em que diariamente se tentava adivinhar as milhas a fazer na próxima jornada. Passavam-se os dias, a ver os peixes voadores, a conversar, a estabelecer novas amizades, ou a aprofundar as que já se levavam. A pouco e pouco passavam as lamentações iniciais, e até se cantava, alegremente. A bordo do Império, em fins da década de 50, um grupo de amigos, orfeonistas, recém-formados em medicina e engenharia, com suas igualmente jovens esposas, entravam na sala de jantar entoando o seu hino, por eles inventado, e fazendo pouco do sotaque nortenho de um deles, para alegria dos restantes tripulantes:

“Somos do barco Império, sim!
Grupo mais jovial e ‘bão’,
Por isso queremos festas
Para alegrar o nosso ‘coraçõ’”

A primeira paragem fazia-se nas Canárias ou na Madeira. Nas primeiras, os tripulantes engendravam esquemas para fazer passar, clandestinamente, os relógios e bonecas vendidos a irrisórios preços naquele porto franco. Dizia-se que alguns relógios eram tão baratos que só traziam mostrador. Já na Madeira, os passageiros atiravam divertidamente moedas ao mar onde, lá em baixo, jovens madeirenses mergulhavam para as apanhar, mostrando depois orgulhosamente o seu prémio à superfície. Levantando âncora, continuavam viagem. Uns voltavam a parar em São Tomé, onde o mar picado assustava os visitantes que regressavam a bordo, ou em Cabo Verde, mas a grande maioria rumava directo a Angola.

Atravessar o Equador era uma festa. Por todo o navio ressoavam bailes, e os próprios passageiros organizavam as suas actividades. Havia quem, num ímpeto carnavalesco, se mascarava de Neptuno e alegrava o convés, e aqueles que passavam pela primeira vez a mítica linha eram submetidos a todo o género de traquinices, acabando inevitavelmente dentro da piscina. Navegando pelo hemisfério norte, a tripulação trajava toda azul-escuro, mas nesse dia de manhã, ao acordarem em pleno hemisfério sul, os passageiros deparavam-se com todos trajando branco, uniforme oficial durante o resto da viagem. A temperatura começava a subir, e o cheiro quente de África começava a dominar a embarcação, já naquele relaxado, feliz e confraternizador ambiente característico das colónias. À noite, eram frequentes os bailes, onde a orquestra de bordo tocava os novos êxitos nacionais, brasileiros e estrangeiros, por entre boleros, swings e animados tangos.

Chegava-se então ao porto de Luanda, ponto final para grande parte dos passageiros. Angola era já terra riquíssima, repleta de explorações de diamante e petróleo, onde a guerra que estalava obrigava muitos dos soldados a abandonar o navio. Também aqui se assistia aos dramas dos casamentos por procuração. Muito felizes iam as noivas, orgulhosas do homem que as esperava no cais, romântico, de braços estendidos, ansiando pela sua bela portuguesinha. Muito olhavam elas para o porto que se aproximava, esperando ver a cara dos seus sonhos, aquela que lhe escrevia palavras doces e enviava belas fotografias, aparecer no meio da multidão quando, afinal, lhes surge uma careca, umas gorduchas bochechas, uns dentes desorientados numa pestilenta boca, ou uma pancita a deslizar pelos calções. Bem tentavam elas, desesperadas, bramindo aos céus, fugir, ficar a bordo, mas meninas, o casamento é sagrado. Igualmente boa era a cara dos maridos que, ao esperar a Mariazita que brincava com eles em criança, e que agora bem crescidinha e formosa havia de estar, vinda da terra lhes saía uma Maria matrona de delineado buço, pronta para afogar o seu querido marido num portentoso abraço.

Largada Angola, aportava-se na cosmopolita Cidade do Cabo, fabulosa povoação entre o mar e a montanha, onde as mais recentes modernices faziam as delícias dos passageiros. Aqui, todos saíam para visitar a metrópole, menos os pobres madeirenses, proibidos por lei de desembarcar. A bordo entravam vários sul-africanos, aproveitando para tirar umas férias pela costa moçambicana, ou apenas visitando as instalações. Elegantes, com as mais actuais toilettes britânicas, desfilavam pelo navio as senhoras sul africanas, que com os seus generosos vestidos quebravam, polémicas mas felizes, todas as restrições de vestuário nos solenes salões. Deixada a costa para trás, chegava a vez do Cabo. Por boas razões lhe dera Bartolomeu Dias o nome de Cabo das Tormentas. “Vai haver baile” dizia um comissário ao mostrar a mobília toda acorrentada ao chão e às paredes. E lá vinha a ondulação diabólica, lateral, num incessante balançar, e se via a escotilha a afundar afundar afundar, e depois a levantar levantar levantar, levando qualquer estômago ao desespero, e qualquer jantar à superfície.

Em noites quentes, era ainda hábito as sessões de cinema ao ar livre, com os sucessos da Milú e do Vasco de Santana a arrancarem gargalhadas, peças dramáticas para despertar a saudade, ou as aplaudidas cenas hollywoodescas por entre passos de dança.

Finalmente, no horizonte desenhavam-se os traços da tão desejada cidade de sonho, Lourenço Marques, a belíssima capital de Moçambique. A longa viagem chegava finalmente ao fim, e a chegada ao porto era um acontecimento. Toda a cidade acorria a ver os barcos. Passo a passo, lidando as pesadas malas que carregavam uma vida inteira, desciam as escadas, encaminhando-se por fim para a terra que os iria acolher, com graça e afecto, e ingressavam na incrível vida colonial. 


Alinhamento:

Maria de Lurdes Resende - Não Quero o Mundo
Alberto Ribeiro - Adeus Lisboa
Frank Sinatra - My Way
Francisco José - Olhos Castanhos
The Platters - Only You

Carlos Gardel - La Cumparsita
Ruy de Mascarenhas - A Noiva
The Beatles - A Taste of Honey
Bing Crosby - King of Jazz
Charles Aznavour - Les Comédiens
Lourenço Marques - João Maria Tudela
Moçambique - João Maria Tudela
Kanimambo - João Maria Tudela

Agradecimentos aos meus avós e às minhas tias Lena e Olga, cuja memória foi ponto de partida e pilar principal na construção desta travessia.




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

22.08.2011 - Capitán-General Fernão de Magalhães


Era mero sobresaliente quando, naquela manhã, entrou num dos inúmeros barcos ancorados ao longo do Restelo. Vinha do Norte, sabe-se, e tinha sangue nobre, mas ali era apenas sobresaliente, aquele que tudo tem de fazer a bordo e, por isso, tudo aprende. A armada dirigia-se para a Índia. As naus portuguesas já não partiam rumo ao desconhecido, na ânsia de descobrir, ou em confortável missão de estabelecimento comercial. Naquele Oriente de Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque esperava-os a guerra. Na Batalha de Cananor estreou-se o jovem, presenciando a grande sangrenta batalha colonial, marco na história do Império. Mais tarde, em Singapura, foi responsável por menos trágico desfecho, ao avisar o Capitão da traição malaia. Corajoso, salvou ainda a garganta de Francisco Serrão, amigo de sangue, das cimitarras destes autóctones que, impiedosamente, matavam os desprevenidos portugueses em terra. Ainda naufragou, numa dessas tantas viagens que fez durante a sua estadia por esse extremo imperial. Era humilde sobresaliente, mas nobre, e em vez de embarcar com os restantes notáveis, como merecia por sangue, impõe ficar em terra, com os sobreviventes dispensáveis, obrigando o resgate e evitando motim.
O sobresaliente era já soldado quando regressou à Lisboa imperial, distinta da que deixara há sete anos atrás. Sentia-se um homem estranho, em terra estranha, talvez só pelo simples facto de ser, precisamente, “terra”. O seu corpo ansiava pelo cheiro a maresia, pelo ondular do convés, pelo vento fresco a desfraldar as velas, vogando por entre ilhas e terras virgens, quentes, idílicas. Do Oriente, chegavam-lhe cartas de Serrão, a quem salvara a vida. Depois de um naufrágio, desertara embrenhado num romance índio, no meio das paradisíacas ilhas das Molucas. As Ilhas das Especiarias. O coração da riqueza portuguesa, a pérola do Índico, isoladas em corais e areias no meio do calmo mar. Com o tempo, a cabeça deste soldado, já experiente navegador e cartógrafo, começa a fervilhar. A recusa de El Rey Dom Manuel I em conceder-lhe aumento de esmola e melhor ocupação, para além da concessão do seu serviço a coroa estrangeira, fez com que se embrenhasse ainda mais nos mapas e diários de bordo, nos relatos das tripulações regressadas, e na companhia de Ruy Faleiro, proeminente astrónomo e cosmógrafo. Com ele, traça o plano que, como previa, marcaria nos anais da história o seu nome: Fernão de Magalhães.
Parte então para Espanha, onde no fim de peripécias diplomáticas e comerciais, por entre investidores e Corte, e esquivando os golpes dos espiões portugueses que pretendiam travar a sua intrepidez, este humilde homem vê aprovada a sua hercúlea ambição: alcançar o arquipélago das Molucas por um percurso muito mais curto, a Ocidente, e provar que estava do lado espanhol do Tratado de Tordesilhas, atravessando o novo continente, recém-descoberto por Cristóvão Colombo, num estreito cuja localização só ele e Faleiro sabiam, e em segredo se manteria até à sua descoberta.
Foi constituída uma frota de cinco naus: Trinidad, San António, Concépcion, Victoria e Santiago. Durante dias a fio, Magalhães organizou ele mesmo tudo o que tal missão necessitava, desde cordames, madeira, víveres e tripulação. Tudo era ordenado e minuciosamente verificado pelo Capitán-general português, que tudo fez ao seu alcance para nada se intrometer no seu projecto. Inclusivamente Faleiro, co-autor do plano, devido à sua inexperiência e fervilhante personalidade, foi deixado em terra. Navegariam então quatro naus comandadas por capitães castelhanos, exímios navegadores extremamente chegados ao Rei, que deveriam seguir à risca, segundo supremo comando deste, o Capitán-General Fernão de Magalhães, na sua Trinidad.
Na manhã do dia 10 de Agosto do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo 1519, por entre aplausos da multidão, partiam de Sevilha, Guadalquivir abaixo, as cinco naus, 256 tripulantes. Dia 20 partiam de São Lucar para o Atlântico, confessados, comungados, nunca totalmente preparados para o incerto.

Navegavam, com bom vento, por mares atlânticos conhecidos, com breve paragem em Tenerife, quando, em vez de seguir directo ao Brasil, Magalhães impõe uma continuação da costa africana até à Guiné. Talvez procurasse o barlavento daquelas costas, segredo dos portugueses, ou talvez fugisse da armada que Dom Manuel enviara contra eles. A verdade é que, quando questionado por Juan de Cartagena, segundo homem na hierarquia, alto funcionário da coroa, sobre a mudança de rumo, Magalhães responde-lhe apenas que Cartagena tem de limitar-se a respeitar as suas ordens, sem questionar. O almirante era um homem que não acumulava tensões, nem alimentava falsas cortesias diplomáticas, e vendo oportunidade para testar a obediência de seus colegas espanhóis, não perdeu tempo. No entanto, o vento não surgiu, e nas costas africanas esperavam-nos calmarias, atrasando-os 14 dias. Novamente perguntou Cartagena as razões do português, ao que este retorquiu o mesmo. O castelhano irou-se e, num ímpeto, Magalhães pôs a ferros o mais alto cavalheiro da sua frota. Se as tensões dos ilustres capitães contra o austero, carrancudo, atarracado, autoritário e iletrado português, traidor da sua própria coroa, já não eram poucas quando partiram de Espanha, mais se acentuaram com esta prisão, mas, ao mesmo tempo, sentiram bem o poder da mão do Capitán-General.

Atravessado o Atlântico, avistavam por fim a Nova Terra, a descoberta por Pedro Álvares Cabral, o magnífico ainda inexplorado Brazil. Deslizaram sobre as quase virginais águas da deslumbrante baía do Rio de Janeiro e, aí, no meio de simpáticos índios e luxuriante vegetação, se abasteceram, de víveres e energias, para enfim se lançarem ao desconhecido.
Anos antes, em 1492, Cristóvão Colombo propusera-se a descobrir o caminho a ocidente para a Índia, segundo ele muito mais curto, e, efectivamente, ao fim de pouco mais de um mês da partida de Espanha, alcançava terra. Colombo morreu a pensar que a terra que pisou então era China, e que portanto, a sua missão fora cumprida. No entanto, descobrira afinal um totalmente novo continente, abalando a sociedade da altura, e impondo um novo obstáculo ao caminho ocidental para a Índia. Durante anos, percorreu-se as costas do novo continente,  baptizado América, em busca de uma falha nessa infindável massa de Terra que ligasse às terras das especiarias, mas, até então, a costa americana não apresentava tréguas, e sem ouro já descoberto, sem escravos em condições, e, sobretudo, sem especiarias, era um obstáculo terrivelmente desinteressante. Mas Magalhães guardava um segredo. Num mapa perdido na tesouraria portuguesa, de um tal cartógrafo de nome Martinho da Boémia, e baseado num relato de um alemão anónimo, apontava um estreito até então desconhecido, a 40º de latitude sul.
Saíam então do Brazil apontando para Sul, e cedo entraram por costas quase nunca navegadas. A paisagem começava a alterar-se, abandonando o tropicalismo brasileiro, e os mares agitavam-se ameaçadoramente. Os navios continuavam a rumar Sul, passando cabo atrás de cabo, até que, um dia, perto dos 40º Sul, se deparam com um cabo gigantesco, sem avistamento de margem a Sul. Tudo indicava, era aqui o tão desejado estreito. A tripulação estava feliz e, durante 15 dias, explorou aquela língua de água que parecia não ter fim. Contudo, essa língua estreitava, e as águas adoçavam. O cabo não era um estreito, mas a foz de um rio, aquele que viria a chamar-se Rio da Prata, perfeita ilusão. A armada continuou a rota, e Magalhães manteve-se impávido, mas a insegurança crescia em si. Por esta altura, apercebera-se já que tudo o planeado com Faleiro, que todas as promessas feitas ao Rei, à tripulação, e a si mesmo, e que todos os sacrifícios exigidos, tinham perdido qualquer fundamento. Os navios navegavam para Sul, em direcção a um paso que, ninguém garantia agora, existia. Ainda assim, o português prosseguiu, e, à medida que se aproximava Fevereiro e Março, instalava-se o Inverno no hemisfério sul. Os tripulantes estavam preparados para as paradisíacas Molucas, não para a brisa fria que começava já a correr, e para um mar que se assumia cada vez mais agitado. A costa era incansavelmente explorada, toda a reentrância, todo o cabo ou golfo, esperando a passagem, e dando mostras aos castelhanos da insegurança de Magalhães. Um dia ainda, a Santiago foi, a mando do capitão, explorar mais a Sul, encalhando no meio de uma tempestade. Um par de marinheiros, durante 11 dias, alimentando-se de ervas e raízes, teve de percorrer a pé o caminho até a armada, para avisar os restantes da sua situação. Por fim, em pleno Inverno, Magalhães decide aportar e, aí, parar por dois meses. À baía chamam de São Julião.
Durante este hiato, o Capitão mantinha os tripulantes entretidos com tarefas banais de reparação e abastecimento, dando a ilusão de que partiriam a qualquer momento, mas não conseguia enganar os comandantes espanhóis. Completamente fechado em si, sem poder revelar o seu falhanço por inviabilizar o resto da expedição, recusava-se a pedir-lhes auxílio ou a prestar-lhes declarações sobre o que intentava. Por várias vezes, estes mostraram a Magalhães o seu desagrado até que, por fim, decidem tomar mão na armada. Uma noite, calma e organizadamente, apoderam-se da San António, cujo capitão substituto de Cartagena era português, e retomam a superioridade espanhola na armada. No dia seguinte, o Capitán-General apercebendo-se da traição, tem de decidir entre continuar sozinho, impossível, render-se, significando ser posto a ferros e rebaixado na chegada a Sevilha, ou heróicamente, e sem nenhuma hipótese, oferecer luta aos amotinados. Magalhães empreendeu este projecto, não para falhar, mas para, no máximo, morrer tentando e, assim, decide não se entregar ao delineado destino e virar todas as barreiras. Informando-se que tem apenas a pequena Santiago do seu lado, logo envia um bote com três tripulantes, levando uma carta ao Capitán Luiz de Mendonza, a bordo do Victoria. Estes não desconfiam de um ataque de tão poucos homens, e à nau não amotinada, e deixam-nos entrar. Ao entregar a carta a Mendonza, o enviado desfere um golpe de adaga no pescoço do capitão, e os outros dois revelam as armas que traziam escondidas. Abordam então mais 15 homens da Santiago, de surpresa e, de um rompante, tomam o navio. Em poucas horas, o Destino rodou por duas vezes na Armada das Molucas, e Magalhães tomava de novo o seu poder. Gaspar de Quesada, capitão e principal incitador da revolta, foi degolado e esquartejado, e Cartagena, bem como um capelão, deixados em terra. Antes de partir de São Julião, houve ainda tempo para contacto com os estranhos indígenas que apareceram na praia. Eram autênticos gigantes, chegando-lhes os marinheiros à cintura, e nus, pintavam o corpo de branco e a cara de um vermelho vivo, com um coração branco nas bochechas. O tamanho dos seus pés era de tal modo impressionante que o povo foi baptizado “Patagão”, e a zona “Patagónia”. Os índios eram amistosos, e para além de carne e fruta, ofereceram-lhes as peles de alpaca, lanudas, imprescindíveis para sobreviver ao gélido clima. Antes de partir de São Julião, a tripulação aprisionou trabalhosamente dois pobres índios, como amostra para El Rey. Agrilhoados, foram levados da sua terra e família, fechados num bafiento porão, mal-alimentados, e esperando lentamente a morte.
Continuavam as naus a rumar Sul, e à direita começavam a aparecer os cumes nevados, numa austera paisagem preta e branca, de parca vegetação, reino do glaciar. Nos ilhéus, amontoavam-se lobos-marinhos, e curiosos gansos gordos, pretos e brancos, que não voavam e faziam as delícias dos esfomeados marinheiros, a que posteriormente haviam de chamar pinguins. Pesadas neblinas cercavam os navios, o Sol raramente aparecia, e o cinzento agreste mar não facilitava a vida a bordo. Fustigada pelos cortantes ventos, a armada continuava, e só já o capitán-general mantinha alguma esperança em encontrar o “paso” escondido. Mas, logo após nova paragem por dois intermináveis meses, poucos graus a Sul, eis que surge um novo amplo golfo. Os ânimos levantam-se, e logo se enviam duas naus a explorar este bem aparecido canal. Voltam maravilhados. A água continua salgada, e a terra não se estreita. Será que é desta que, por fim, a frota alcança o que ambicionava? Por entre vagas, avança, cheia de mestria, pelo perigoso canal, que se estende por várias milhas. Numa bifurcação, a San António regressa à revelia para Espanha, sem nada avisar, e levando consigo a grande maioria das provisões. Mas a vitória parece eminente e as embarcações continuam. A paisagem vai melhorando gradualmente. Dos dois lados, imponentes fiordes emergiam da densa névoa, mostrando ocasionais cumes brancos, e agressivos penhascos que mergulhavam nas águas. Nas margens, aparecia mais vegetação, casualmente entrecortada por cascatas, fontes, pequenos prados,  enormes fogueiras indígenas, responsáveis pelo nome de Terra do Fogo, e uma gigantesca carcaça de baleia estendida na praia.
Por fim, o estreito alarga. Numa explosão sentimental a bordo, a tripulação vê o que nunca acreditou verdadeiramente, ver alguma vez na sua curta vida. O Novo Mar, estendido até ao infinito, esperando por ser rasgado pela primeira vez. Pela cara de Fernão de Magalhães, escorrem cristalinas lágrimas. Acabara de alcançar a imortalidade.

No dia 22 de Novembro de 1520, a Armada de Fernão de Magalhães deslizava em águas virgens, num Mar nunca dantes navegado, desconhecido da humanidade. O vento sopra favorável, a temperatura melhora, e os marinheiros vivem uns dias felizes, com os luxos e a riqueza das Molucas na mente, e perscrutando o horizonte, ansiando vê-lo rasgado pela terra desejada.
Mas os dias vão passando, o Sol põe-se e nasce incontavelmente, e as ilhas teimam em não aparecer. A frota vê-se no meio de um verdadeiro deserto marítimo, interminável, sem provisões suficientes. A água começa a apodrecer dentro dos tonéis de madeira, tornando-se tépida e amarela. A comida que resta são barris de biscoitos, dos quais só resta farinha comida por vermes, embrenhada em urina de rato. Os marinheiros, para enganar o estômago, comiam serradura com a farinha, e as próprias ratazanas eram consideradas relíquia, vendidas a meio ducado, e vorazmente devoradas. O couro de boi agarrado ao mastro, ressequido pelo Sol e intempéries, foi mesmo imerso em água do mar durante cinco dias, e depois assado em brasa e comido pela tripulação. Entretanto, surgiam os primeiros doentes de escorbuto. As gengivas inchavam, até cobrir os dentes. O sangue escorria pela boca, em dilacerantes chagas, e a garganta fechava, impedindo-os de engolir qualquer coisa, se qualquer coisa também houvesse para engolir. A doença e a fome ia ceifando os homens um a um, sem piedade. E aquele diabólico oceano nunca mais acabava.

Cristóvão Colombo, na sua arrojada travessia transatlântica, partiu com naus novas e arranjadas, tripulação fresca, porão cheio de mantimentos, e durante trinta e três dias navegou, sabendo logo ao fim de duas semanas, pelos gravetos e erva no mar, e pelas aves marinhas, que se aproximava de terra. Fernão de Magalhães partiu com tripulação já fraca e sofrida, poucas provisões, navios em mau estado, e esteve três meses e vinte dias sem ver terra. Mais do triplo do tempo de Colombo, com nem metade das suas possibilidades. Não fosse o tempo extraordinário e quase inexplicável ao longo de todo este tempo, a que se deve o baptismo de “Oceano Pacífico”, e o feito de Magalhães seria hoje uma incógnita, enterrado nas profundezas do mar, nos corpos de uma tripulação nunca sobrevivente.
Foi ao fim destes mais de cem dias que avistaram, finalmente, ilhas ao longe. Ilhas Infortunadas, primeiro, só areia e coral, mas depois, finalmente, terra firme. A primeira que pisaram era a Ilha dos Ladrões, cujos indígenas, primitivos, se divertiam a roubar os navios, para eles novidade, mas aí se abasteceram de coco, salvação para o escorbuto, água, e demais víveres. Partindo, cedo chegaram a uma série de ilhas, parte de desconhecido arquipélago que hoje dá pelo nome de Filipinas. Pisando terra, Henrique, o escravo do capitão, falou com os indígenas e, com surpresa, estes responderam na mesma língua. Nesse momento, a humanidade estremeceu. Pela primeira vez na história do mundo, um Homem saíra de sua terra e, dando a volta completa ao planeta, voltava às origens.
Aqui, Magalhães e sua tripulação aproveitaram, merecidamente, o repouso paradisíaco, no meio de coqueiros e bananeiras, essa árvore que dá figos gigantes, índios amáveis e mulheres prazenteiras. Não eram as Molucas, que Magalhães constatava agora estarem do lado Português do Mundo, mas para o almirante representavam o éden descrito por Serrão, e por ele desejado desde que deixara Lisboa. Os reis índios logo admitiram prestar vassalagem ao Rei Espanhol, perante o poder mostrado pelos recém-chegados através de demonstrações com canhões e armaduras, e cultivava-se uma boa vivência entre ocidentais e autóctones. Cedo se começaram a converter os primeiros idólatras, convencendo-os do amor de Cristo, e incutindo-lhes a missa e a veneração da cruz. A evangelização, efectivamente, logo se propagou, querendo todos, receando represálias, ser baptizados e convertidos. Até um doente, idólatra, foi induzido a queimar as estátuas do seu Deus e, depois de baptizado, mostrou uma milagrosa cura. Tal profusa prática levou à emergência de conflitos, principalmente com um Rei que se recusava solenemente a obedecer à Coroa Espanhola e à Cruz de Cristo. Magalhães, orgulhoso, fervoroso, oferece a armada para, facilmente, derrotar estes atrevidos índios. Desembarcam de manhã cedo, com as reluzentes armaduras, cerca de cem homens e, com água pela cintura, dirigem-se a terra. Entre eles, a comandar, o próprio Fernão de Magalhães. “O pastor não abandona as próprias ovelhas”, afirmara na noite anterior. Subitamente, milhares de indígenas acorrem à praia, armados de fortes setas, arcos e flechas e dardos envenenados. A armadura não serve de nada aos invasores, e, na areia branca, um a um, são massacrados. Num instante, uma seta envenenada atravessa a perna do Capitão. Em vão ordenou a retirada. Cambaleando, tentava lutar, mas os índios, irados, e reconhecendo-o como o superior, desferem-lhe implacáveis golpes e, com ele já caído, fazem sobre ele incidir as cimitarras, enquanto a sua cabeça ainda se esforça por saber se os outros se conseguiram salvar.

“E assim nos levaram a vida daquele que era o nosso espelho, a nossa luz, a nossa consolação , o nosso devoto chefe.”

Assim dita António Pigafetta, jovem italiano, cronista, a bordo, e continua:

“Mas a glória de Magalhães sobreviverá à sua morte. Adornado de todas as virtudes, mostrou sempre uma constância inquebrantável no meio das maiores adversidades. No mar, suportava ele mais privações que a tripulação. Versado como ninguém no conhecimento das cartas náuticas, conhecia perfeitamente a arte de navegar, como o demonstrou dando a volta ao mundo, o que ninguém ousou tentar antes dele.”

Pereceu, então, Fernão de Magalhães, sem sepultura, sem homenagem, numa remota praia das Filipinas. O Homem que vencera o Mundo na sua totalidade, que comandara uma frota contra todas as evidências e imposições do destino e, loucamente, nunca olhou virou costas ao seu quase quixotismo, perdia-se num momento, encontrava finalmente o descanso eterno, o retiro no meio do seu Pacífico, dissipando-se na brisa e na bruma. A sua frota havia de encontrar as Molucas, atravessar o Índico, passar a Boa-Esperança, aperceber-se em Cabo Verde que, qual Willy Fogg, ganharam um dia, e, ao fim 1123 dias de viagem, mais de três anos passados, retornam 18 dos 265 homens que, de Sevilha, partiram. A população aclama-os como heróis, verdadeiros conquistadores do Mar que, talvez não se apercebendo totalmente na altura, sob comando de Fernão de Magalhães, cumpriram um dos mais altos feitos do Homem como espécie, o verdadeiro controlo do Planeta Terra.

Alinhamento:

1. Tripulação do Nicete, a 20 milhas de Portimão. Recolha de Michel Giacometti - Leva, Leva!
2. Nurse With Wound - July 4
3. Baden Powell - Conversa de Poeta
4. James Horner - Winter / Battle
5. Alexandre Desplat - Temptation
6. Hans Zimmer - Journey to the Line
7. Haba Haba Group - Sitgol #2
8. Francis For Coppola, Carmine Coppola - Voyage
9. Dorival Caymmi - É Doce Morrer no Mar



15.08.2011 - Marie Celeste


“Terminámos ontem á noite o carregamento, e devemos partir 3ª de manhã, se não já esta noite, permitindo Nosso Senhor. A embarcação está em perfeito estado e, embora nunca nela tenha viajado e nada possa assegurar, espero que tenhamos uma boa viagem. Dentro de aproximadamente 20 dias, deverá poder escrever-nos para Genoa.

Espero estar consigo na Primavera, com muito amor.

Afectivamente seu

Benj”



Benjamin S. Briggs, Capitão, estado-unidense, 37 anos.
Sua esposa Sarah Elizabeth Briggs, estado-unidense, 31 anos.
Sua filha, Sophia Matilda Briggs, estado-unidense, 2 anos.
Albert G. Richardson, Oficial, estado-unidense, 28 anos.
Andrew Gilling, segundo oficial, dinamarquês, 25 anos.
Edward Wm Head, comissário de bordo e cozinheiro, estado-unidense, 23 anos.
Volkert Lorenson, marinheiro, alemão, 23 anos.
Arian Martens, marinheiro, alemão, 23 anos.
Boy Lorenson, marinheiro, alemão, 23 anos.
Gottlieb Gondeschall, marinheiro, alemão, 23 anos.

Na madrugada do dia 5 de Novembro de 1872, partia de Nova Iorque o navio Mary Celeste.  Bergantim de 282 toneladas, construído 11 anos antes na Nova Escócia, antes conhecido por Amazon, passara já por muitas mãos antes de chegar às do Capitão Briggs e seus sócios. No porão, 1701 barris de alcoól puro tinham como destino o porto de Genoa, Itália. O tempo estava calmo. Jovem, mas hábil e de bom currículo, a tripulação dirigia a embarcação, enquanto debaixo da madeira do convés, Sarah deitava a pequena Sophie. Possivelmente sopraria uma fria brisa de um bonito dia de Inverno, parcas nuvens, o barulho da metrópole a ser deixado para trás. À frente, só o longínquo horizonte, a ténue linha que se funde o azul do céu com o azul do mar. O barulho do casco a cortar a água inspirava tranquilidade.

Sete dias depois, partia Dei Gratia, navio mercante canadiano comandado pelo Capitão David Reed Morehouse, íntimo da família Briggs. A sua rota coincidia com a do Mary Celeste, mas problemas com as mercadorias obrigaram a tripulação a partir com uma semana de atraso. As condições mantinham-se, calmas, e não tinha sido registado nenhum percalço meteorológico na semana que passara. Nesse sentido os ventos continuaram a soprar, e pouco mais que vinte dias depois, tinham já atravessado o Atlântico. Por esta altura, já o Capitão Briggs estaria em Genoa com a família, aproveitando uns merecidos dias de descanso. Estavam a 600 milhas da costa portuguesa, em direcção ao Estreito de Gibraltar, na tranquila tarde do dia 4 de Dezembro, quando o timoneiro John Johnson avista um navio, avisando a restante tripulação. A embarcação vizinha navegava, aparentemente sem qualquer anomalia, com o mesmo rumo do Dei Gratia. John Johnson, atento, perscrutava-o ao longe. A bordo, não se avistava uma única sombra humana. Aproximando-se, curiosos com o estranho facto, puderam ler a inscrição lateral em que, com letras grandes, se lia Mary Celeste.

Oliver Deveau, oficial chefe do Dei Gratia, entrou a bordo. Exceptuando o convés molhado, a embarcação estava em perfeito estado, pronta para navegar. A mercadoria permanecia intacta, os mantimentos intocados, e, sem contar com o diário de bordo, nenhum outro papel ou documento lá se encontrava. As escotilhas estavam abertas, e o bote salva-vidas ausente. Dos dez tripulantes do Mary Celeste, não se identificava um sinal.

Em Gibraltar o navio foi submetido a profunda análise pela polícia. Para adensar o mistério, 9 ds 1701 barris, embora intactos, estavam completamente vazios. Não se verificava um sinal de luta, um testemunho, uma marca identificadora. Dez seres desvaneceram-se, e nada o podia explicar.

Um caso de pirataria estava desde logo excluído, tento pelo patrulhamento levado a cabo pelo império britânico em Gibraltar, como pela ausência de sinais de violência e por nada ter sido pilhado. Um improvável assassinato de Briggs e sua tripulação pelo Dei Gratia também se torna impossível, devido ao atraso que este levava. Nenhum tsunami ou maremoto foi notado pela população açoriana, nenhuma tempestade ou remoinho foi registado. O álcool dos 9 barris vazios pode ter evaporado e, por causa desconhecida, inflamado, levando-os a abandonar o navio, mas nunca tal situação se identificou, e verificar-se-iam necessariamente tanto resíduos gasosos de etanol como mais barris vazios.

Dos dez, nunca nenhum deles voltou a ser visto.

Versões da história, como a narrada por Sir Arthur Conan Doyle, afirmam que Deveau, a bordo, encontrou uma mesa posta com chá ainda quente e, a um canto, o cachimbo de Briggs fumegava.

O Mary Celeste continou como navio mercante até Janeiro de 1885. Numa tentativa de fraude a uma seguradora, o então capitão incendiou o navio ao largo do Haiti. As chamas tomaram o navio. Contudo, depois de se apagarem, revelaram o navio sem qualquer dano. Do pouco que ardeu, conta-se o diário de bordo de Briggs. Hoje, o Mary Celeste descansa sob um manto de corais, em ruína. No interior da sua madeira, está encarcerado o mistério eterno das dez vidas nunca encontradas.

Alinhamento:

1. Nurse with Wound - Salt Marie Celeste

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

08.08.2011 - George Percy Aldridge Granger



Nascido a 8 de Julho de 1882 num subúrbio do Norte de Melbourne, Austrália, filho de arquitecto emigrante britânico e da filha de um hoteleiro em Adelaide. Com uma educação caseira e extremamente conservadora, principalmente por parte da mãe, cedo se revelou notável pianista, tendo iniciado aulas com o alemão Louis Pabst aos 10 anos. A sua primeira composição “A Birthday Gift to Mother”, data de 1893, tinha Percy 11 anos. Um ano depois, tocava a solo Bach, Beethoven e Schumann no Melbourne Masonic Hall, numa performance bastante aclamada pela crítica local. Aos 13 anos ingressava no Conservatório Hoch em Frankfurt, para onde viajou com a mãe, separada já do revelado promíscuo marido.

A chegada à Europa foi marcante para Percy, catapultando-o para as emergentes esferas artísticas do centro europeu. Entre concertos de piano de Tchaikovsky, graças da crítica e tertúlias com alunos britânicos mais velhos, o jovem artista começa a formar o seu próprio perfil como compositor. As novas influências impulsionavam-no no sentido contrário aos dos conservadores modelos europeus de Mozart, Chopin e Wagner, introduzindo-se nas novas tendências revolucionárias. Por esta altura, começou também um projecto de musicar Rudyard Kypling, cujo lirismo e musicalidade tanto o inspirava como influenciava. Após certificar-se que alcançava uma posição confortável como pianista profissional, de modo a poder sustentar-se a si e à mãe, acaba por fixar-se em Inglaterra. A cultura do norte do continente sempre fascinara o ausrtaliano, que inclusivamente expressara opiniões e comentários anti-semitistas e raciais. Contudo, as ligações que Percy Grainger estabeleceu com a cultura popular mundial revelaram-se extraordinárias.

Com a invenção do fonógrafo em 1877 pelo americano Thomas Edison, a visão do artista em relação à música foi completamente alterada. O som não se limitava jamais a notas expressas em pauta, os compositores podiam experimentar sem recear perder os resultados e, não menos importante, permitiu registar música como nunca antes fora feito, com toda a introdução do sentimento, da genuinidade e dos nuances vocais e instrumentais. Já em terrenos britânicos, Percy Grainger inicia uma demanda que tantos outros perpetuaram, sendo um pioneiro na recolha da música tradicional. No verão de 1906, com os cilindros de Edison às costas, e uma equipa técnica, calcorreou as costas da Grã Bretanha, cativando as populações com a sua pouco ortodoxa e peculiar personalidade. Em casa, ouviu as horas de gravação vezes sem conta, a tempos de rotação diferentes, apreendendo todos os pormenores, e absorvendo tudo o que estes iletrados pescadores, marinheiros, homens e mulheres, com a sua secular tradição oral, apaixonadamente cantavam e tocavam.

As notas intermédias - a flexão do tom, o enrugamento da textura do timbre, a aceleração e desaceleração das pulsações preencheram a mente compositora de Grainger, aplicando essa liberdade nas suas partituras. No Verão de 1908, numa passagem por um pequeno ajuntamento costeiro em Devon, ouviu um marinheiro a entoar “Shallow Brown”. A partir dela, construiu uma canção sinfónica para soprano, coro, e uma invulgar orquestra incluíndo guitarras, ukeleles e bandolins. “Trémulos de cordas agitam-se como rebentações, instrumentos de sopro agudos gritam como gaivotas, instrumentos de som mais graves fazem lembrar criaturas terríveis das profundezas. A voz navega lá em cima, fazendo explodir lá fora as melodias e compasso para levar a emoção até casa: “Shallow Brown, u’re going to leave me”

Nos anos que se seguiram, Grainger prosseguiu por costas irlandesas e escandinavas, começando também a compor originais inspirados, mas sem origem, em temas populares recolhidos, num modelo que rejeitava as imposições clássicas europeias de formatação musical. Grainger não compunha sonatas, sinfonias ou ópera, produzia música. Acabaria também por, com Shoenberg, Ives e Debussy, se assumir como percussor da atonalidade, e da libertação dos acordes e harmonias tão limitadores. Na Noruega, estabeleceu também fortes ligações com Edvard Grieg, com quem viria a colaborar e compor. Em Inglaterra colaborou igualmente com Frederick Delius, a quem inclusivamente sugeriu a interpretação do tema popular por ele recolhido, Brigg Fair.

Embora louvasse as suas tendências norte-europeias, arianas e algo extremistas, Grainger orgulhava-se da sua origem australiana, e numa série de viagens que realizou à terra natal, procedeu à recolha de temas Maoris, e das ilhas Indonésias, de Salomão, de Samoa e Faroé. A partir dela, foram assinaláveis as influências rítmicas e harmónicas assumidas nos anos que se seguiram.

O trabalho de Grainger como investigador etnográfico teve repercussões de enorme dimensão, marcando o pensamento e o modo de compor de toda uma geração que lhe seguiu, sendo o trabalho de Bela Bartòk, com as suas recolhas históricas do leste europeu, o mais notável, e, como não podia deixar de ser referenciado, o trabalho levado a cabo pelo córsego Michel Giacometti em terrenos nacionais.

Percy Grainger faleceu a 20 de Fevereiro de 1961, em território norte-americano, onde residia desde o despertar da primeira Grande Guerra. Humilde e dedicado à mãe, morreu pianista, recusando todos os convites para assumir orquestras. Atrás de si, deixou um museu dedicado ao seu trabalho em Melbourne, uma colecção de instrumentos e máquinas musicais inovadores direccionados para o que ele apelidava de “música livre”, e um gigantesco legado como instrumentista, compositor, e etnomusicólogo.


Alinhamento:

1.      Lincolnshire Posy:
. Lisbon
. Horkstown Grange
. Rufford Park Poachers
. The British Young Sailor
. Lord Melbourne
. The Lost Lady Found
2.      Sailor’s Song
3.      Colonial Song
4.      Shenandoah
5.      Shallow Brown
6.      Brigg Fair (arranjo de Frederick Delius)
7.      Let’s Dance Gay In Green Meadow
8.      Father and Daughter
9.      Ramble On Love
10.  Molly On the Shore

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

01.08.2011 - O Monstrengo


De criaturas puramente mitológicas, a seres cuja existência é hoje aceite, desde sempre que o abismo submerso olha para os que o navegam, dando vida e uma certa natureza horrífica às vagas que destruíam os barcos, aos ventos dilacerantes ou simplesmente ao medo, à solidão, ao desespero.

Nos mares gregos da antiguidade, descrevia-se a fúria de Kharybdis, uma náiade transformada num gigantesco remoinho, a quem nunca ninguém escapava. Segundo a lenda, Kharybdis era uma bela filha de Posydon, Deus dos Mares. Sendo-lhe extremamente leal na sua Guerra contra Zeus, ajudava-o a destruir tudo à sua passagem, comandando as vagas depois das tempestades. O seu sucesso bélico terá sido tanto, que Zeus, irritado, a transformou num horrendo monstro, enterrado nas profundezas, só boca e barbatanas que, rodando, causava os falados remoinhos. Kharybdis estaria colocada junto à margem de um estreito canal, estando Scylla, outro monstro, na contrária. Scylla representava uma feroz serpente de seis cabeças que, a cada navio que a encontrava, comia seis homens, um por cabeça. Os marinheiros, passando, ao evitarem um mal, teriam de aproximar-se de outro, suscitando diversas interpretações e referências na literatura épica.

Também a Hydra, mitificada na segunda tarefa de Herácles, se fazia passar por uma serpente de inúmeras cabeças, e se cada uma fosse cortada, duas novas dela nasceriam. O herói acabaria por derrotá-la ajudado pelo sobrinho, que o aconselhou a queimar o pescoço de cada cabeça cortada.

Num mar repleto de histórias fantásticas e navegadores divinizados, no século V surgem relatos do Aspidochelone, gigantesca tartaruga que, emergindo, iludia os marinheiros parecendo uma ilha de areia branca. Felizes, e fatigados pela jornada, atracavam e preparavam-se para cozinhar. Contudo, ao acender a fogueira, despertavam a criatura, que subitamente imergia, levando consigo barco e marinheiros para as profundezas.

Nos mares do Norte, que banhavam a costa escandinava, reinavam criaturas de outras formas e mistificações. Iku-Turso, por exemplo, chegou mesmo a representar a fonte de todos os males e doenças, apresentando-se com vários epítetos: partaleinen, o de barbas, Tuonen Harka, o touro de Tuoni, tuhatpaa, o das mil cabeças, e tuhatsarvi, o dos mil chifres.
Nas mesmas águas viva Jormungandr, uma enorme serpente marinha, eterna inimiga de Thor, o Deus trovão. Thor acabaria por derrotá-la numa terrível batalha, em que o herói a mata depois de ela emergir das águas e envenenar o céu, ditando assim o seu próprio fim. Após matá-la, o Deus dá nove passos e acaba por cair morto.
Algures entre a Noruega e a Islândia nadava ainda o Kraken, mítico polvo de dimensões colossais que se alimentava de baleias, navios, homens, e tudo o resto com que se deparasse. As suas histórias prolongaram-se durante séculos, sendo inclusivamente inserido em enciclopédias, e hoje chega mesmo a admitir-se a existência de tal molusco, embora sem as suas características alimentares exageradas.
Por costas dinamarquesas e polacas contava-se também a fantasmagórica presença do monge marítimo, uma criatura metade peixe metade monge, com horrenda cabeça, inconfundível pela sua redonda careca, que assombrava os marinheiros. Atribui-se hoje a sua aparição a lulas gigantes, tubarões-anjo, ou focas.

Umibozu, por sua vez, era um enorme espírito que reinava nos mares do Japão. Surgia aos marinheiros como uma sombra preta que emergia em toda a sua dimensão, e rodeava-os de espíritos que acreditava-se pertencerem a monges e sacerdotes afogados. Se irados, o único modo de evitar a morte e a destruição era oferecendo-lhes um barril que, cheio de água do mar, os pudesse afogar, o que implicava que esta não tivesse fundo.
Ao longo dos anos, com o crescente domínio sobre o mar, o aumento das vias de comunicação, e o conhecimento geográfico do planeta, a maioria destas criaturas foi desmistificada. Carcaças de supostos sáurios marítimos foram atribuídas a tubarões-frade, as terríveis serpentes gigantes são afinal peixes-remo, as lulas gigantes são cada vez mais documentadas, e a baleia é hoje sabida um animal predominantemente pacífico, despistando todos os exageros e temores que este enorme animal provocava. Contudo, há ainda casos por explicar.

Em Falmouth Bay, Cornualha, foi avistado pela primeira vez em 1906 o Morgawr, besta parecida com uma serpente marinha, apontada com formas de Plesiossauro, dinossauro extinto há milhares de anos. Não muito longe, encontra-se o semelhante caso de Nessie, ou Monstro do Lago Ness, documentado em 1933 e popularizado desde então. Nos mesmos moldes, mas com depoimentos não tão dúbios, existe Caddy, nome adoptado para Cadborosaurus willsi. Os relatos de avistamentos ascendiam aos 300, arrastando-se por 200 anos, na Costa Oeste dos Estados Unidos e Canadá, chegando a obter-se duas carcaças, uma em 1937 e outra em 1947, na ilha de Vancouver. Foi avistada ainda uma criatura semelhante mas de menores dimensões, a que os populares chamaram Amy, supondo-a como fêmea do réptil original, e um corpo em desenvolvimento, capturado em 1968 por pescadores, que se atribuiu a uma cria da espécie.

Ainda pelo continente americano, mas na Costa Este, após vários testemunhos no Mar das Caraíbas, deu à costa da Florida, na praia de Santo Agostinho, um corpo em decomposição que se julga pertencer a uma espécie de polvos gigantes naturais dos abismos de Andros, uma ilha nas Bahamas. No entanto, embora prevaleça a crença na sua existência, uma vertente científica considera-a apenas um resto de Cachalote.

O mar encerra ainda hoje mistérios infindáveis, permanecendo amplamente desconhecido pela comunidade científica. Quem sabe o que, nas profundezas, os abismos escondem?

Alinhamento:
1. Krzysztof Penderecki - The Awakening of Jacob
2. Gerard Grisey - Transitoires pour Grand Orchestre
3. Tristan Murail - Territoires de l'Oubli
4. György Ligeti - Lontano



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25.07.2011 - Mü


   “O Jardim do Éden não se encontrava na Ásia, mas num continente actualmente imerso no Oceano Pacífico. A criação segundo a Bíblia, com os seus épicos sete dias e sete noites, teve a sua origem não nos povos do Nilo ou do Vale de Eufrates, mas neste agora submerso continente, Mu - o Berço da Humanidade.”

   “No início, o Universo era apenas alma ou espírito. Tudo era ausência de vida - calmo, taciturno, silencioso. A imensidão do espaço era vazio e escuridão. Apenas o Espírito Supremo, o grande Poder Auto-existente, o Criador, a Serpente das Sete Cabeças, deslizava por entre o negro abismo.
“Surgiu-Lhe o desejo de criar mundos, e Ele criou mundos; surgiu-Lhe o desejo de criar a Terra, com seres vivos sobre ela, e Ele criou a Terra e tudo nela.
   “Os sete intelectos superlativos da Serpente das Sete Cabeças deram sete ordens.
   A primeira ordem dizia:
   “Que os gases disformes e espalhados pelo espaço sejam reunidos, e que a partir deles se forme a Terra’.        
   Os gases agregaram-se então numa tempestuosa massa.”
   A segunda ordem dizia:
   “Que os gases solidifiquem e formem a Terra’. Então os gases solidificaram; uma parte exterior, a partir do qual se formaria água e atmosfera, e outra envolvida no novo mundo. A escuridão permanecia e tudo era silêncio, pois ainda nem água nem atmosfera se tinham formado.”
   A terceira ordem dizia:
   “Que os gases exteriores se separem e que deles se formem a atmosfera e as águas” E os gases foram separados; uma parte formou as águas, e as águas estabeleceram-se na Terra e cobriram toda a sua superfície, imergindo-a completamente. Os gases que não formaram água formaram a atmosfera, e:
   “A luz estava contida na atmosfera.
   “E os raios de sol uniram-se aos raios de calor da atmosfera, e deram-lhe energia. Assim houve calor na superfície da Terra.”
   A quarta ordem dizia:
   “Que os gases dentro da Terra se levantem acima da superfície das águas’. E os fogos do submundo elevaram a terra em que as águas assentavam até aparecer, acima da sua superfície, terra seca.”
   A quinta ordem dizia:
   “Que a vida se forme nas águas”. E os raios de Sol uniram-se aos raios da Terra na lama das águas, e formaram-se ovos cósmicos das partículas de lama. A partir destes, nasceu a vida como ordenado.”
   A sexta ordem dizia:
   “Que a vida tome a terra”. E os raios de Sol uniram-se aos raios da Terra na poeira do solo, e daí se formaram novos ovos cósmicos. A partir destes, nasceu a vida como ordenado.”
   E por fim, quando tudo isto estava feito, o sétimo intelecto ordenou:
   “Que façamos o Homem segundo nós próprios, e que nos permitamos dotá-lo do Poder de dominar esta Terra.” Assim, Narayana, o Intelecto de Sete Cabeças, o Criador de todas as coisas no Universo, criou o Homem, colocando-o num corpo vivo e imperecível espírito, e o Homem tornou-se como Narayana em poder intelectual.
   A criação estava completa.”

   Foi Mu que este primeiro Homem de Narayana pisou. Um enorme continente no meio do Pacífico. Nele, planícies infindáveis eram pinceladas de flores-de-lis, verdejantes relvados e luxuriante vegetação tropical, por onde refrescantes riachos encontravam o seu caminho até ao mar. Os férteis vales eram povoados por borboletas e colibris, e, junto à costa, coqueiros e palmeiras coroavam as calmas praias douradas. Foi em Mu que este recém-nascido se estabeleceu, e formou uma sociedade sem igual, com cerca de 64 milhões de indivíduos de pele branca e cabelo louro, tal qual tinham sido concebidos. Tudo era perfeito em Mu, reinando a bondade e a sensatez transmitidas pelo sétimo intelecto na criação.

   Subitamente, de um dia para o outro, a Terra é dominada por um enorme cataclismo. Fogos devoram a superfície, terrivelmente abalada pelos ininterruptos sismos. Num curto espaço de tempo, toda a humanidade se via reduzida a céu e mar.

   Poucos foram os que sobreviveram. Ressurgindo da sociedade imaculada, com a memória dos seus entes queridos soterrados nas calmas águas do irónico Pacífico, viram-se isolados em pequenas comunidades num planeta totalmente inóspito. Nele reinava a fome e a desgraça, e pouco levou até que os primeiros actos de canibalismo e violência tomassem lugar. Nascia assim a maldade no seio da humanidade. Ao longo dos anos se espalharam pela superfície que os recebia, e se foram estabelecendo por esse mundo fora. Os sobreviventes ocidentais, ocuparam a hoje chamada América, construindo as sábias civilizações maia, inca e azteca. Os orientais mais se espalharam ainda, por um maior continente. No vale do Nilo, nasceu a civilização egípcia, na Mesopotâmia a babilónica, no Mediterrâneo a grega e a fenícia. Durante séculos se propagaram mais, ocupando toda a Europa, Ásia e África. As suas peles e cabelos foram escurecendo, conforme as zonas, e a maldade e o pecado foram, progressivamente, crescendo dentro do novo homem. Aos poucos, a nova civilização, a que hoje pertencemos, alicerçou-se. De Mu, restava apenas o sonho, a utopia, a vaga memória, mas a chama da humanidade.

   No seu livro de 1925, Mu, Hugo Pratt envolve Corto Maltese numa misteriosa e intrigante descoberta de Mu. Aqui, os sonhos diluem-se com a realidade, num embrenhado histórico ao longo do tempo e espaço. Há várias portas para uma Mu subterrânea escondida sob a imensidão do mar. Grutas improváveis, templos imersos, ilhas desaparecidas. Entre elas, o Labirinto Harmónico. O som do Universo, exterior e interior, que se apodera de nós e nos guia à entrada do perfeito continente.

   “Um labirinto perigoso cheio de música. Se reconheceres uma melodia, ela transporta-te para a época da sua composição. E como as vibrações que estão na sua origem nunca acabam, elas ressuscitam o espaço do tempo da criação.”

   “...nós recebemos a luz de uma estrela morta a anos-luz de nós. Segundo o mesmo princípio, recebemos ondas sonoras distantes de vários dias, vários séculos, as de um homem morto há milhares de anos...”

   A saída encontra-se “escutando uma outra música, melancólica e longínqua... como uma tarde de quinta-feira. Discreta, misteriosa talvez...”

   Mu encontra-se espalhada pelo mundo, nos gestos dos hieróglifos egípcios, enterrada em códices maias, marcada em pergaminhos trancados nos cofres de templos budistas. Nas ilhas dos Mares do Sul ainda hoje permanecem ruínas de templos onde nunca o Homem chegou, colunas e arcos de pedra imersos ou sob atóis de coral. Numa delas, dezenas de cabeças gigantes olham para as estrelas. Para os Deuses, dizem. A improvável pele branca dos nativos denuncia a sua proveniência. De qualquer forma, é o Mar a nossa origem. Para o seu interminável azul olhamos sonhadoramente, como se vislumbrássemos as raízes de Mu que em nós ainda existem. Mu é o Mar, é o início, é a perfeição, o mistério, Deus e a criação. Ouvindo os nossos sonhos, a distante e serena tarde de quinta-feira, talvez um dia atingiremos o fim do labirinto harmónico. Até porque, como nos ensina Pratt, não temos de escolher entre o sonho e a realidade, apenas vivê-los.

Alinhamento:

1. Eleni Karaindrou - Ulysses' Gaze
2. Stephan Micus - The Music of Stones: Part 1
3. Naked City - Verlaine Part Two "La Bleue"
4. CM Von Hausswolff - The Sleeper in the Valley
5. Erik Satie - Gymnopédie No. 3
6. Sigur Rós - Viðrar Vel Til Loftárása