segunda-feira, 22 de agosto de 2011

22.08.2011 - Capitán-General Fernão de Magalhães


Era mero sobresaliente quando, naquela manhã, entrou num dos inúmeros barcos ancorados ao longo do Restelo. Vinha do Norte, sabe-se, e tinha sangue nobre, mas ali era apenas sobresaliente, aquele que tudo tem de fazer a bordo e, por isso, tudo aprende. A armada dirigia-se para a Índia. As naus portuguesas já não partiam rumo ao desconhecido, na ânsia de descobrir, ou em confortável missão de estabelecimento comercial. Naquele Oriente de Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque esperava-os a guerra. Na Batalha de Cananor estreou-se o jovem, presenciando a grande sangrenta batalha colonial, marco na história do Império. Mais tarde, em Singapura, foi responsável por menos trágico desfecho, ao avisar o Capitão da traição malaia. Corajoso, salvou ainda a garganta de Francisco Serrão, amigo de sangue, das cimitarras destes autóctones que, impiedosamente, matavam os desprevenidos portugueses em terra. Ainda naufragou, numa dessas tantas viagens que fez durante a sua estadia por esse extremo imperial. Era humilde sobresaliente, mas nobre, e em vez de embarcar com os restantes notáveis, como merecia por sangue, impõe ficar em terra, com os sobreviventes dispensáveis, obrigando o resgate e evitando motim.
O sobresaliente era já soldado quando regressou à Lisboa imperial, distinta da que deixara há sete anos atrás. Sentia-se um homem estranho, em terra estranha, talvez só pelo simples facto de ser, precisamente, “terra”. O seu corpo ansiava pelo cheiro a maresia, pelo ondular do convés, pelo vento fresco a desfraldar as velas, vogando por entre ilhas e terras virgens, quentes, idílicas. Do Oriente, chegavam-lhe cartas de Serrão, a quem salvara a vida. Depois de um naufrágio, desertara embrenhado num romance índio, no meio das paradisíacas ilhas das Molucas. As Ilhas das Especiarias. O coração da riqueza portuguesa, a pérola do Índico, isoladas em corais e areias no meio do calmo mar. Com o tempo, a cabeça deste soldado, já experiente navegador e cartógrafo, começa a fervilhar. A recusa de El Rey Dom Manuel I em conceder-lhe aumento de esmola e melhor ocupação, para além da concessão do seu serviço a coroa estrangeira, fez com que se embrenhasse ainda mais nos mapas e diários de bordo, nos relatos das tripulações regressadas, e na companhia de Ruy Faleiro, proeminente astrónomo e cosmógrafo. Com ele, traça o plano que, como previa, marcaria nos anais da história o seu nome: Fernão de Magalhães.
Parte então para Espanha, onde no fim de peripécias diplomáticas e comerciais, por entre investidores e Corte, e esquivando os golpes dos espiões portugueses que pretendiam travar a sua intrepidez, este humilde homem vê aprovada a sua hercúlea ambição: alcançar o arquipélago das Molucas por um percurso muito mais curto, a Ocidente, e provar que estava do lado espanhol do Tratado de Tordesilhas, atravessando o novo continente, recém-descoberto por Cristóvão Colombo, num estreito cuja localização só ele e Faleiro sabiam, e em segredo se manteria até à sua descoberta.
Foi constituída uma frota de cinco naus: Trinidad, San António, Concépcion, Victoria e Santiago. Durante dias a fio, Magalhães organizou ele mesmo tudo o que tal missão necessitava, desde cordames, madeira, víveres e tripulação. Tudo era ordenado e minuciosamente verificado pelo Capitán-general português, que tudo fez ao seu alcance para nada se intrometer no seu projecto. Inclusivamente Faleiro, co-autor do plano, devido à sua inexperiência e fervilhante personalidade, foi deixado em terra. Navegariam então quatro naus comandadas por capitães castelhanos, exímios navegadores extremamente chegados ao Rei, que deveriam seguir à risca, segundo supremo comando deste, o Capitán-General Fernão de Magalhães, na sua Trinidad.
Na manhã do dia 10 de Agosto do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo 1519, por entre aplausos da multidão, partiam de Sevilha, Guadalquivir abaixo, as cinco naus, 256 tripulantes. Dia 20 partiam de São Lucar para o Atlântico, confessados, comungados, nunca totalmente preparados para o incerto.

Navegavam, com bom vento, por mares atlânticos conhecidos, com breve paragem em Tenerife, quando, em vez de seguir directo ao Brasil, Magalhães impõe uma continuação da costa africana até à Guiné. Talvez procurasse o barlavento daquelas costas, segredo dos portugueses, ou talvez fugisse da armada que Dom Manuel enviara contra eles. A verdade é que, quando questionado por Juan de Cartagena, segundo homem na hierarquia, alto funcionário da coroa, sobre a mudança de rumo, Magalhães responde-lhe apenas que Cartagena tem de limitar-se a respeitar as suas ordens, sem questionar. O almirante era um homem que não acumulava tensões, nem alimentava falsas cortesias diplomáticas, e vendo oportunidade para testar a obediência de seus colegas espanhóis, não perdeu tempo. No entanto, o vento não surgiu, e nas costas africanas esperavam-nos calmarias, atrasando-os 14 dias. Novamente perguntou Cartagena as razões do português, ao que este retorquiu o mesmo. O castelhano irou-se e, num ímpeto, Magalhães pôs a ferros o mais alto cavalheiro da sua frota. Se as tensões dos ilustres capitães contra o austero, carrancudo, atarracado, autoritário e iletrado português, traidor da sua própria coroa, já não eram poucas quando partiram de Espanha, mais se acentuaram com esta prisão, mas, ao mesmo tempo, sentiram bem o poder da mão do Capitán-General.

Atravessado o Atlântico, avistavam por fim a Nova Terra, a descoberta por Pedro Álvares Cabral, o magnífico ainda inexplorado Brazil. Deslizaram sobre as quase virginais águas da deslumbrante baía do Rio de Janeiro e, aí, no meio de simpáticos índios e luxuriante vegetação, se abasteceram, de víveres e energias, para enfim se lançarem ao desconhecido.
Anos antes, em 1492, Cristóvão Colombo propusera-se a descobrir o caminho a ocidente para a Índia, segundo ele muito mais curto, e, efectivamente, ao fim de pouco mais de um mês da partida de Espanha, alcançava terra. Colombo morreu a pensar que a terra que pisou então era China, e que portanto, a sua missão fora cumprida. No entanto, descobrira afinal um totalmente novo continente, abalando a sociedade da altura, e impondo um novo obstáculo ao caminho ocidental para a Índia. Durante anos, percorreu-se as costas do novo continente,  baptizado América, em busca de uma falha nessa infindável massa de Terra que ligasse às terras das especiarias, mas, até então, a costa americana não apresentava tréguas, e sem ouro já descoberto, sem escravos em condições, e, sobretudo, sem especiarias, era um obstáculo terrivelmente desinteressante. Mas Magalhães guardava um segredo. Num mapa perdido na tesouraria portuguesa, de um tal cartógrafo de nome Martinho da Boémia, e baseado num relato de um alemão anónimo, apontava um estreito até então desconhecido, a 40º de latitude sul.
Saíam então do Brazil apontando para Sul, e cedo entraram por costas quase nunca navegadas. A paisagem começava a alterar-se, abandonando o tropicalismo brasileiro, e os mares agitavam-se ameaçadoramente. Os navios continuavam a rumar Sul, passando cabo atrás de cabo, até que, um dia, perto dos 40º Sul, se deparam com um cabo gigantesco, sem avistamento de margem a Sul. Tudo indicava, era aqui o tão desejado estreito. A tripulação estava feliz e, durante 15 dias, explorou aquela língua de água que parecia não ter fim. Contudo, essa língua estreitava, e as águas adoçavam. O cabo não era um estreito, mas a foz de um rio, aquele que viria a chamar-se Rio da Prata, perfeita ilusão. A armada continuou a rota, e Magalhães manteve-se impávido, mas a insegurança crescia em si. Por esta altura, apercebera-se já que tudo o planeado com Faleiro, que todas as promessas feitas ao Rei, à tripulação, e a si mesmo, e que todos os sacrifícios exigidos, tinham perdido qualquer fundamento. Os navios navegavam para Sul, em direcção a um paso que, ninguém garantia agora, existia. Ainda assim, o português prosseguiu, e, à medida que se aproximava Fevereiro e Março, instalava-se o Inverno no hemisfério sul. Os tripulantes estavam preparados para as paradisíacas Molucas, não para a brisa fria que começava já a correr, e para um mar que se assumia cada vez mais agitado. A costa era incansavelmente explorada, toda a reentrância, todo o cabo ou golfo, esperando a passagem, e dando mostras aos castelhanos da insegurança de Magalhães. Um dia ainda, a Santiago foi, a mando do capitão, explorar mais a Sul, encalhando no meio de uma tempestade. Um par de marinheiros, durante 11 dias, alimentando-se de ervas e raízes, teve de percorrer a pé o caminho até a armada, para avisar os restantes da sua situação. Por fim, em pleno Inverno, Magalhães decide aportar e, aí, parar por dois meses. À baía chamam de São Julião.
Durante este hiato, o Capitão mantinha os tripulantes entretidos com tarefas banais de reparação e abastecimento, dando a ilusão de que partiriam a qualquer momento, mas não conseguia enganar os comandantes espanhóis. Completamente fechado em si, sem poder revelar o seu falhanço por inviabilizar o resto da expedição, recusava-se a pedir-lhes auxílio ou a prestar-lhes declarações sobre o que intentava. Por várias vezes, estes mostraram a Magalhães o seu desagrado até que, por fim, decidem tomar mão na armada. Uma noite, calma e organizadamente, apoderam-se da San António, cujo capitão substituto de Cartagena era português, e retomam a superioridade espanhola na armada. No dia seguinte, o Capitán-General apercebendo-se da traição, tem de decidir entre continuar sozinho, impossível, render-se, significando ser posto a ferros e rebaixado na chegada a Sevilha, ou heróicamente, e sem nenhuma hipótese, oferecer luta aos amotinados. Magalhães empreendeu este projecto, não para falhar, mas para, no máximo, morrer tentando e, assim, decide não se entregar ao delineado destino e virar todas as barreiras. Informando-se que tem apenas a pequena Santiago do seu lado, logo envia um bote com três tripulantes, levando uma carta ao Capitán Luiz de Mendonza, a bordo do Victoria. Estes não desconfiam de um ataque de tão poucos homens, e à nau não amotinada, e deixam-nos entrar. Ao entregar a carta a Mendonza, o enviado desfere um golpe de adaga no pescoço do capitão, e os outros dois revelam as armas que traziam escondidas. Abordam então mais 15 homens da Santiago, de surpresa e, de um rompante, tomam o navio. Em poucas horas, o Destino rodou por duas vezes na Armada das Molucas, e Magalhães tomava de novo o seu poder. Gaspar de Quesada, capitão e principal incitador da revolta, foi degolado e esquartejado, e Cartagena, bem como um capelão, deixados em terra. Antes de partir de São Julião, houve ainda tempo para contacto com os estranhos indígenas que apareceram na praia. Eram autênticos gigantes, chegando-lhes os marinheiros à cintura, e nus, pintavam o corpo de branco e a cara de um vermelho vivo, com um coração branco nas bochechas. O tamanho dos seus pés era de tal modo impressionante que o povo foi baptizado “Patagão”, e a zona “Patagónia”. Os índios eram amistosos, e para além de carne e fruta, ofereceram-lhes as peles de alpaca, lanudas, imprescindíveis para sobreviver ao gélido clima. Antes de partir de São Julião, a tripulação aprisionou trabalhosamente dois pobres índios, como amostra para El Rey. Agrilhoados, foram levados da sua terra e família, fechados num bafiento porão, mal-alimentados, e esperando lentamente a morte.
Continuavam as naus a rumar Sul, e à direita começavam a aparecer os cumes nevados, numa austera paisagem preta e branca, de parca vegetação, reino do glaciar. Nos ilhéus, amontoavam-se lobos-marinhos, e curiosos gansos gordos, pretos e brancos, que não voavam e faziam as delícias dos esfomeados marinheiros, a que posteriormente haviam de chamar pinguins. Pesadas neblinas cercavam os navios, o Sol raramente aparecia, e o cinzento agreste mar não facilitava a vida a bordo. Fustigada pelos cortantes ventos, a armada continuava, e só já o capitán-general mantinha alguma esperança em encontrar o “paso” escondido. Mas, logo após nova paragem por dois intermináveis meses, poucos graus a Sul, eis que surge um novo amplo golfo. Os ânimos levantam-se, e logo se enviam duas naus a explorar este bem aparecido canal. Voltam maravilhados. A água continua salgada, e a terra não se estreita. Será que é desta que, por fim, a frota alcança o que ambicionava? Por entre vagas, avança, cheia de mestria, pelo perigoso canal, que se estende por várias milhas. Numa bifurcação, a San António regressa à revelia para Espanha, sem nada avisar, e levando consigo a grande maioria das provisões. Mas a vitória parece eminente e as embarcações continuam. A paisagem vai melhorando gradualmente. Dos dois lados, imponentes fiordes emergiam da densa névoa, mostrando ocasionais cumes brancos, e agressivos penhascos que mergulhavam nas águas. Nas margens, aparecia mais vegetação, casualmente entrecortada por cascatas, fontes, pequenos prados,  enormes fogueiras indígenas, responsáveis pelo nome de Terra do Fogo, e uma gigantesca carcaça de baleia estendida na praia.
Por fim, o estreito alarga. Numa explosão sentimental a bordo, a tripulação vê o que nunca acreditou verdadeiramente, ver alguma vez na sua curta vida. O Novo Mar, estendido até ao infinito, esperando por ser rasgado pela primeira vez. Pela cara de Fernão de Magalhães, escorrem cristalinas lágrimas. Acabara de alcançar a imortalidade.

No dia 22 de Novembro de 1520, a Armada de Fernão de Magalhães deslizava em águas virgens, num Mar nunca dantes navegado, desconhecido da humanidade. O vento sopra favorável, a temperatura melhora, e os marinheiros vivem uns dias felizes, com os luxos e a riqueza das Molucas na mente, e perscrutando o horizonte, ansiando vê-lo rasgado pela terra desejada.
Mas os dias vão passando, o Sol põe-se e nasce incontavelmente, e as ilhas teimam em não aparecer. A frota vê-se no meio de um verdadeiro deserto marítimo, interminável, sem provisões suficientes. A água começa a apodrecer dentro dos tonéis de madeira, tornando-se tépida e amarela. A comida que resta são barris de biscoitos, dos quais só resta farinha comida por vermes, embrenhada em urina de rato. Os marinheiros, para enganar o estômago, comiam serradura com a farinha, e as próprias ratazanas eram consideradas relíquia, vendidas a meio ducado, e vorazmente devoradas. O couro de boi agarrado ao mastro, ressequido pelo Sol e intempéries, foi mesmo imerso em água do mar durante cinco dias, e depois assado em brasa e comido pela tripulação. Entretanto, surgiam os primeiros doentes de escorbuto. As gengivas inchavam, até cobrir os dentes. O sangue escorria pela boca, em dilacerantes chagas, e a garganta fechava, impedindo-os de engolir qualquer coisa, se qualquer coisa também houvesse para engolir. A doença e a fome ia ceifando os homens um a um, sem piedade. E aquele diabólico oceano nunca mais acabava.

Cristóvão Colombo, na sua arrojada travessia transatlântica, partiu com naus novas e arranjadas, tripulação fresca, porão cheio de mantimentos, e durante trinta e três dias navegou, sabendo logo ao fim de duas semanas, pelos gravetos e erva no mar, e pelas aves marinhas, que se aproximava de terra. Fernão de Magalhães partiu com tripulação já fraca e sofrida, poucas provisões, navios em mau estado, e esteve três meses e vinte dias sem ver terra. Mais do triplo do tempo de Colombo, com nem metade das suas possibilidades. Não fosse o tempo extraordinário e quase inexplicável ao longo de todo este tempo, a que se deve o baptismo de “Oceano Pacífico”, e o feito de Magalhães seria hoje uma incógnita, enterrado nas profundezas do mar, nos corpos de uma tripulação nunca sobrevivente.
Foi ao fim destes mais de cem dias que avistaram, finalmente, ilhas ao longe. Ilhas Infortunadas, primeiro, só areia e coral, mas depois, finalmente, terra firme. A primeira que pisaram era a Ilha dos Ladrões, cujos indígenas, primitivos, se divertiam a roubar os navios, para eles novidade, mas aí se abasteceram de coco, salvação para o escorbuto, água, e demais víveres. Partindo, cedo chegaram a uma série de ilhas, parte de desconhecido arquipélago que hoje dá pelo nome de Filipinas. Pisando terra, Henrique, o escravo do capitão, falou com os indígenas e, com surpresa, estes responderam na mesma língua. Nesse momento, a humanidade estremeceu. Pela primeira vez na história do mundo, um Homem saíra de sua terra e, dando a volta completa ao planeta, voltava às origens.
Aqui, Magalhães e sua tripulação aproveitaram, merecidamente, o repouso paradisíaco, no meio de coqueiros e bananeiras, essa árvore que dá figos gigantes, índios amáveis e mulheres prazenteiras. Não eram as Molucas, que Magalhães constatava agora estarem do lado Português do Mundo, mas para o almirante representavam o éden descrito por Serrão, e por ele desejado desde que deixara Lisboa. Os reis índios logo admitiram prestar vassalagem ao Rei Espanhol, perante o poder mostrado pelos recém-chegados através de demonstrações com canhões e armaduras, e cultivava-se uma boa vivência entre ocidentais e autóctones. Cedo se começaram a converter os primeiros idólatras, convencendo-os do amor de Cristo, e incutindo-lhes a missa e a veneração da cruz. A evangelização, efectivamente, logo se propagou, querendo todos, receando represálias, ser baptizados e convertidos. Até um doente, idólatra, foi induzido a queimar as estátuas do seu Deus e, depois de baptizado, mostrou uma milagrosa cura. Tal profusa prática levou à emergência de conflitos, principalmente com um Rei que se recusava solenemente a obedecer à Coroa Espanhola e à Cruz de Cristo. Magalhães, orgulhoso, fervoroso, oferece a armada para, facilmente, derrotar estes atrevidos índios. Desembarcam de manhã cedo, com as reluzentes armaduras, cerca de cem homens e, com água pela cintura, dirigem-se a terra. Entre eles, a comandar, o próprio Fernão de Magalhães. “O pastor não abandona as próprias ovelhas”, afirmara na noite anterior. Subitamente, milhares de indígenas acorrem à praia, armados de fortes setas, arcos e flechas e dardos envenenados. A armadura não serve de nada aos invasores, e, na areia branca, um a um, são massacrados. Num instante, uma seta envenenada atravessa a perna do Capitão. Em vão ordenou a retirada. Cambaleando, tentava lutar, mas os índios, irados, e reconhecendo-o como o superior, desferem-lhe implacáveis golpes e, com ele já caído, fazem sobre ele incidir as cimitarras, enquanto a sua cabeça ainda se esforça por saber se os outros se conseguiram salvar.

“E assim nos levaram a vida daquele que era o nosso espelho, a nossa luz, a nossa consolação , o nosso devoto chefe.”

Assim dita António Pigafetta, jovem italiano, cronista, a bordo, e continua:

“Mas a glória de Magalhães sobreviverá à sua morte. Adornado de todas as virtudes, mostrou sempre uma constância inquebrantável no meio das maiores adversidades. No mar, suportava ele mais privações que a tripulação. Versado como ninguém no conhecimento das cartas náuticas, conhecia perfeitamente a arte de navegar, como o demonstrou dando a volta ao mundo, o que ninguém ousou tentar antes dele.”

Pereceu, então, Fernão de Magalhães, sem sepultura, sem homenagem, numa remota praia das Filipinas. O Homem que vencera o Mundo na sua totalidade, que comandara uma frota contra todas as evidências e imposições do destino e, loucamente, nunca olhou virou costas ao seu quase quixotismo, perdia-se num momento, encontrava finalmente o descanso eterno, o retiro no meio do seu Pacífico, dissipando-se na brisa e na bruma. A sua frota havia de encontrar as Molucas, atravessar o Índico, passar a Boa-Esperança, aperceber-se em Cabo Verde que, qual Willy Fogg, ganharam um dia, e, ao fim 1123 dias de viagem, mais de três anos passados, retornam 18 dos 265 homens que, de Sevilha, partiram. A população aclama-os como heróis, verdadeiros conquistadores do Mar que, talvez não se apercebendo totalmente na altura, sob comando de Fernão de Magalhães, cumpriram um dos mais altos feitos do Homem como espécie, o verdadeiro controlo do Planeta Terra.

Alinhamento:

1. Tripulação do Nicete, a 20 milhas de Portimão. Recolha de Michel Giacometti - Leva, Leva!
2. Nurse With Wound - July 4
3. Baden Powell - Conversa de Poeta
4. James Horner - Winter / Battle
5. Alexandre Desplat - Temptation
6. Hans Zimmer - Journey to the Line
7. Haba Haba Group - Sitgol #2
8. Francis For Coppola, Carmine Coppola - Voyage
9. Dorival Caymmi - É Doce Morrer no Mar



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