quinta-feira, 4 de agosto de 2011

01.08.2011 - O Monstrengo


De criaturas puramente mitológicas, a seres cuja existência é hoje aceite, desde sempre que o abismo submerso olha para os que o navegam, dando vida e uma certa natureza horrífica às vagas que destruíam os barcos, aos ventos dilacerantes ou simplesmente ao medo, à solidão, ao desespero.

Nos mares gregos da antiguidade, descrevia-se a fúria de Kharybdis, uma náiade transformada num gigantesco remoinho, a quem nunca ninguém escapava. Segundo a lenda, Kharybdis era uma bela filha de Posydon, Deus dos Mares. Sendo-lhe extremamente leal na sua Guerra contra Zeus, ajudava-o a destruir tudo à sua passagem, comandando as vagas depois das tempestades. O seu sucesso bélico terá sido tanto, que Zeus, irritado, a transformou num horrendo monstro, enterrado nas profundezas, só boca e barbatanas que, rodando, causava os falados remoinhos. Kharybdis estaria colocada junto à margem de um estreito canal, estando Scylla, outro monstro, na contrária. Scylla representava uma feroz serpente de seis cabeças que, a cada navio que a encontrava, comia seis homens, um por cabeça. Os marinheiros, passando, ao evitarem um mal, teriam de aproximar-se de outro, suscitando diversas interpretações e referências na literatura épica.

Também a Hydra, mitificada na segunda tarefa de Herácles, se fazia passar por uma serpente de inúmeras cabeças, e se cada uma fosse cortada, duas novas dela nasceriam. O herói acabaria por derrotá-la ajudado pelo sobrinho, que o aconselhou a queimar o pescoço de cada cabeça cortada.

Num mar repleto de histórias fantásticas e navegadores divinizados, no século V surgem relatos do Aspidochelone, gigantesca tartaruga que, emergindo, iludia os marinheiros parecendo uma ilha de areia branca. Felizes, e fatigados pela jornada, atracavam e preparavam-se para cozinhar. Contudo, ao acender a fogueira, despertavam a criatura, que subitamente imergia, levando consigo barco e marinheiros para as profundezas.

Nos mares do Norte, que banhavam a costa escandinava, reinavam criaturas de outras formas e mistificações. Iku-Turso, por exemplo, chegou mesmo a representar a fonte de todos os males e doenças, apresentando-se com vários epítetos: partaleinen, o de barbas, Tuonen Harka, o touro de Tuoni, tuhatpaa, o das mil cabeças, e tuhatsarvi, o dos mil chifres.
Nas mesmas águas viva Jormungandr, uma enorme serpente marinha, eterna inimiga de Thor, o Deus trovão. Thor acabaria por derrotá-la numa terrível batalha, em que o herói a mata depois de ela emergir das águas e envenenar o céu, ditando assim o seu próprio fim. Após matá-la, o Deus dá nove passos e acaba por cair morto.
Algures entre a Noruega e a Islândia nadava ainda o Kraken, mítico polvo de dimensões colossais que se alimentava de baleias, navios, homens, e tudo o resto com que se deparasse. As suas histórias prolongaram-se durante séculos, sendo inclusivamente inserido em enciclopédias, e hoje chega mesmo a admitir-se a existência de tal molusco, embora sem as suas características alimentares exageradas.
Por costas dinamarquesas e polacas contava-se também a fantasmagórica presença do monge marítimo, uma criatura metade peixe metade monge, com horrenda cabeça, inconfundível pela sua redonda careca, que assombrava os marinheiros. Atribui-se hoje a sua aparição a lulas gigantes, tubarões-anjo, ou focas.

Umibozu, por sua vez, era um enorme espírito que reinava nos mares do Japão. Surgia aos marinheiros como uma sombra preta que emergia em toda a sua dimensão, e rodeava-os de espíritos que acreditava-se pertencerem a monges e sacerdotes afogados. Se irados, o único modo de evitar a morte e a destruição era oferecendo-lhes um barril que, cheio de água do mar, os pudesse afogar, o que implicava que esta não tivesse fundo.
Ao longo dos anos, com o crescente domínio sobre o mar, o aumento das vias de comunicação, e o conhecimento geográfico do planeta, a maioria destas criaturas foi desmistificada. Carcaças de supostos sáurios marítimos foram atribuídas a tubarões-frade, as terríveis serpentes gigantes são afinal peixes-remo, as lulas gigantes são cada vez mais documentadas, e a baleia é hoje sabida um animal predominantemente pacífico, despistando todos os exageros e temores que este enorme animal provocava. Contudo, há ainda casos por explicar.

Em Falmouth Bay, Cornualha, foi avistado pela primeira vez em 1906 o Morgawr, besta parecida com uma serpente marinha, apontada com formas de Plesiossauro, dinossauro extinto há milhares de anos. Não muito longe, encontra-se o semelhante caso de Nessie, ou Monstro do Lago Ness, documentado em 1933 e popularizado desde então. Nos mesmos moldes, mas com depoimentos não tão dúbios, existe Caddy, nome adoptado para Cadborosaurus willsi. Os relatos de avistamentos ascendiam aos 300, arrastando-se por 200 anos, na Costa Oeste dos Estados Unidos e Canadá, chegando a obter-se duas carcaças, uma em 1937 e outra em 1947, na ilha de Vancouver. Foi avistada ainda uma criatura semelhante mas de menores dimensões, a que os populares chamaram Amy, supondo-a como fêmea do réptil original, e um corpo em desenvolvimento, capturado em 1968 por pescadores, que se atribuiu a uma cria da espécie.

Ainda pelo continente americano, mas na Costa Este, após vários testemunhos no Mar das Caraíbas, deu à costa da Florida, na praia de Santo Agostinho, um corpo em decomposição que se julga pertencer a uma espécie de polvos gigantes naturais dos abismos de Andros, uma ilha nas Bahamas. No entanto, embora prevaleça a crença na sua existência, uma vertente científica considera-a apenas um resto de Cachalote.

O mar encerra ainda hoje mistérios infindáveis, permanecendo amplamente desconhecido pela comunidade científica. Quem sabe o que, nas profundezas, os abismos escondem?

Alinhamento:
1. Krzysztof Penderecki - The Awakening of Jacob
2. Gerard Grisey - Transitoires pour Grand Orchestre
3. Tristan Murail - Territoires de l'Oubli
4. György Ligeti - Lontano



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